O livro acontece em um período pós guerra nuclear, os restos de civilização espalham-se por desertos e quase todo o conhecimento acumulado pelas gerações anteriores foi destruído por movimentos que espiaram nos intelectuais as causas da ruína da humanidade. O mundo vive uma nova era medieval e a narrativa centra-se em um mosteiro que busca preservar o pouco do conhecimento que se pôde salvar até que surja no mundo um gênio capaz de reconectar com a atualidade os vestígios da civilização anterior. Esse cenário já é interessante, mas não há aí ainda nada de extraordinário. Calma lá!, já chego ao ponto, eu não me surpreenderia com um Mad Max monástico.
A grande sacada do livro é o tratamento dado aos ciclos da história humana. Quase todos os fatos desse mundo pós-nuclear têm um acontecimento gêmeo já tratado na bíblia, cuidadosamente referenciado através de símbolos sutis incorporados à narrativa. É inevitável a vontade de a partir daí comparar elementos da história recente com esse espelho bíblico. Eis que no livro há um momento - que obscurecerei para que não espolie a leitura alheia - em que paira a ameaça imperialista de um grande reino secular, um dos personagens então diz:
“Manassés, Ciro, Nabucodonosor, Faraó, César, Fulaninho da Coves – preciso continuar? Samuel nos alertou sobre eles, então nos deu um.”Em 1 Samuel 8 está o fato referenciado. Tendo recebido dos anciões de Israel a incumbência de indicar um rei secular, Samuel tenta dissuadir o povo da idéia explicando a eles os problemas de um governo desse tipo (1Samuel 8.10-18). É incrível a acuidade profética com que esses desastres são descritos, todos eles estão muito recentes na memória dos despertos desse século - esses que se lembram ainda do início do século anterior. Continuando:
Porém o povo não atendeu à voz de Samuel e disse: Não! Mas teremos um rei sobre nós. Para que sejamos também como todas as nações; o nosso rei poderá governar-nos, sair adiante de nós e fazer as nossas guerras. (1Samuel 8.19-20)O povo rejeita os avisos, como sempre tem rejeitado ao longo do tempo, cioso que é por poder secular.
Enfim, A Canticle for Leibowitz não é apenas uma narrativa sobre os ciclos tecnológicos de barbarismo e ascensão da história humana, como já vi em outras resenhas, mas dos ciclos da história humana como um todo, pintados na constante permuta simbólica entre Deus e coisas seculares.
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