sábado, 30 de maio de 2009

Blake, flautista mágico

Há algo mesmo de mágico, muito mágico, em William Blake. Tão verdadeiramente mágico, hipnótico, que, lendo seus originais de Songs of Innocence and of Experience graças à maravilha deste site, arrodeado pela caligrafia e desenhos do próprio autor, sinto-me impelido a catar uma flauta e sair por retraduzindo seus poemas em notas musicais.

quinta-feira, 28 de maio de 2009

Hereges hematófatos

Sofro um bocado com os mosquitos que habitam o altar que fiz para este meu computador. Esses hereges imundos parecem saber que em todas as noites há pernas suculentas a chupar abaixo da mesa. Este é o meu altar, dessacrado. E como nenhum altar está completo sem vela, para o meu comprei esta em cuja embalagem leio: "Vela de andiroba para combate a dengue, mosquitos, insetos...". Acendo e coloco a oferenda próxima ao pé da cadeira. Mas os hereges são fortes, continuam o assédio. Ponho a vela sobre a mesa, como que para fazer a ela uma reprimenda. Não demora muito e um mosquito pousa na bendita. Acho que não entendi muito bem essa coisa toda. Se a fumaça não funciona, a intenção da vela só pode ser a de uma advertência textual.

Hereges iletrados!... voltei ao tempo em que se resolvia heresia com tapa.

quarta-feira, 27 de maio de 2009

“Obçession”

Ao fim do ano passado, por volta de setembro, deparou-se com um fato estranho. Quando recolecionava suas memórias e as tentava traduzir em linguagem, o fazia com mais habilidade em inglês do que no português. Nunca vivera um mês sequer abroad. Também não era exímio conhecedor da língua inglesa, era dela apenas um bom leitor. Um bom leitor, e olhe lá! Mas tão logo buscava expressão, a encontrava com mais facilidade na confusão mental d'um inglês embananado do que na própria língua pátria. Sonhava em inglês, às vezes pegava-se respondendo em inglês a questões íntimas.

Sua própria conversa interior dava-se na língua de Poe e Carroll, e a razão disto sabia de cor: passara coisa de dois anos lendo tudo quanto podia em inglês. Não dava confiança aos autores nacionais, apesar de ter deles pouco conhecimento, e os autores que lhe eram comuns eram todos ingleses. Os que escapavam a essa regra os lia em sua tradução para o inglês. Um dia notou-se perigosamente próximo ao abismo do absurdo quando, apresentando a um amigo a versão que degustava de Revolt of the Masses, fora questionado sobre o motivo de não lê-la no original em espanhol, que era afinal muito mais próximo do português. Notou-se então quase materializando a brincadeira que fazia quando liminarmente consciente de seu estrangeirismo. Um dia estaria lendo autores nacionais traduzidos em língua estrangeira.

segunda-feira, 25 de maio de 2009

Verborragia irritante...

Começo a ler um texto que me é requerido por uma das disciplinas do meu curso de Desenho Industrial na UFMA.
Apesar de design e styling serem duas disciplinas totalmente distintas...
Pára, pára, pára. Como assim totalmente distintas? Totalmente mesmo? Nada de semelhante? Nada em que se possam comparar? Puxa, eu que tinha como passatempo mental na infância encontrar semelhanças entre bananas e cometas, picolés e dinossauros, acho bastante esquisito que o styling (uma preocupação estética que visa o consumo do produto) seja totalmente distinto logo do design. Mas, mais esquisito ainda é o trecho seguinte:
o styling é muitas vezes complementar do design.
Como coisas totalmente distintas entre si podem ser complementares? Isso não significaria que são indistintas em sua finalidade, no objeto a que se aplicam, ou em alguma coisinha ao menos?

É claro que o sujeito que escreveu esse texto nem sequer pensou no assunto, largou a mão a moldar a bosta e em seguida publicou-a em livro, que foi lido e recomendado posteriormente por professores aos seus alunos.

O erro desse autor poderia passar como coisa menor, probleminha a toa, mas não é. É um fenômeno amplo e irritante a quantidade de textos universitários que são permeados de expressões absurdas. Fica claro que os sujeitos que os escrevem não pensam na expressão real daquilo que estão escrevendo, ou, se pensam, não têm a menor preocupação de traduzir fidedignamente esse pensamento em linguagem. Sendo assim, vai caber logo a mim, aluno, rejuntar esse quebra-cabeças dadaísta e formar algo coerente?

A loucura continua:
O styling diz respeito ao tratamento e aparência da superfície - as qualidades expressivas de um produto. Pelo contrário, o design diz basicamente respeito à resolução de problemas - tende a ser holístico na sua finalidade e geralmente procura simplicidade e o que é essencial nos produtos.
Não vou me perder argumentando ou apontando mais verborragias, vou apenas fazer uma pergunta e seguir a partir dela. Se há um problema exposto pelo seguinte enunciado: "como tornarei este produto mais atraente?", isto é algo a ser resolvido pelo styling ou pelo design? Acrescento: não antecede a toda a atividade de styling o problema destacado? Como isto é verdadeiro, logo toda atividade de styling também é guiada por um problema referente a um produto, com a limitação que esse problema é sempre refente a capacidade de atração que tem o produto sobre seus possíveis compradores, e como todo produto industrial não prescinde de seus compradores (e como o designer vive no éter) a capacidade de atração de um produto é uma de suas características essenciais. Tomando então o design como a resolução de problemas essenciais referentes a produtos, o styling está contido no design do modo como é descrito pelo autor. Concluindo isto, como explicar que o próprio autor diga que o design e o styling têm preocupações contrárias?

A distância do autor com a realidade fica mais patente adiante. Dado um certo ponto conclui:
... o design (racionalismo) tende a tomar a dianteira em ciclos econômicos negativos, equanto que (sic) o styling (anti-racionalismo) tende a florescer em períodos de prosperidade. O styling começou a ter expressão na década de 20 com o florescimento da Art Deco, e em finais dos anos 30 e 40.
A primeira coisa que chama a atenção é essa história do design florescer em momentos de crise e o styling em momentos de prosperidade. O mesmíssimo autor, algumas páginas antes, diz que o streamlining (que é uma derivação do styling), surgiu e prosperou nos anos subsequentes ao crash de 1929. Ele ao menos lê o que escreve?

Abra-se agora um parênteses para mais verborragia. O autor diz que o design começou a ter expressão nos anos 20 e "em finais dos anos 30 e 40". Que dizer que ele começou duas vezes? Nos anos 20 e depois no fim dos 30 e 40? Ou seriam três vezes? Nos anos 20, no fim dos 30 e no fim dos 40? Ou por no fim dos 30 e 40 quis se referir ao período representado por ambos? Sendo assim, qual o motivo de não dizer apenas "em finais dos anos 40"? Claro que é mais uma bobagem.

A segunda coisa que chama a atenção no trecho destacado é essa coisa, racionalismo vs. anti-racionalismo, definindo o design como uma atividade racional e o styling como anti-racional. Mesmo tomando racionalismo e anti-racionalismo com uma certa frouxeza, poderia-se dizer logo que: sendo uma área do design, que aqui é dado como algo racional, o styling não poderia ser irracional sem que se fizesse a concessão de que o design não é todo racional afinal. Daí sobraria "anti-racional" apenas como figura de linguagem para dizer que o styling tem um foco emocional (e ponto).

Lendo integralmente o texto sou levado a crer que, no fundo, chamar o styling de anti-racional e colocá-lo em oposição ao próprio design foi, desde o início do texto, apenas um meio de expressar desgostos - algo como chamá-lo de feio, chato, bobo e excluí-lo da brincadeira - hábito provavelmente adquirido na leitura dos teoristas da coisa do design para uma nova ordem social (coisa que pretendo estudar adiante). Especulações à parte, de agora em diante, quando um autor desses disser design, entenda por uma equação de design menos as preocupações do campo do styling, e styling por styling mesmo.

sexta-feira, 22 de maio de 2009

Four Yorkshiremen Sketch

Uma curta piada do grupo Monty Python.

Four well-dressed men sitting together at a vacation resort.
Michael Palin: Ahh.. Very passable, this, very passable.
Graham Chapman: Nothing like a good glass of Chateau de Chassilier wine, ay Gessiah?
Terry Gilliam: You're right there Obediah.
Eric Idle: Who'd a thought thirty years ago we'd all be sittin' here drinking Chateau de Chassilier wine?
MP: Aye. In them days, we'd a' been glad to have the price of a cup o' tea.
GC: A cup ' COLD tea.
EI: Without milk or sugar.
TG: OR tea!
MP: In a filthy, cracked cup.
EI: We never used to have a cup. We used to have to drink out of a rolled up newspaper.
GC: The best WE could manage was to suck on a piece of damp cloth.
TG: But you know, we were happy in those days, though we were poor.
MP: Aye. BECAUSE we were poor. My old Dad used to say to me, "Money doesn't buy you happiness."
EI: 'E was right. I was happier then and I had NOTHIN'. We used to live in this tiiiny old house, with greaaaaat big holes in the roof.
GC: House? You were lucky to have a HOUSE! We used to live in one room, all hundred and twenty-six of us, no furniture. Half the floor was missing; we were all huddled together in one corner for fear of FALLING!
TG: You were lucky to have a ROOM! *We* used to have to live in a corridor!
MP: Ohhhh we used to DREAM of livin' in a corridor! Woulda' been a palace to us. We used to live in an old water tank on a rubbish tip. We got woken up every morning by having a load of rotting fish dumped all over us! House!? Hmph.
EI: Well when I say "house" it was only a hole in the ground covered by a piece of tarpolin, but it was a house to US.
GC: We were evicted from *our* hole in the ground; we had to go and live in a lake!
TG: You were lucky to have a LAKE! There were a hundred and sixty of us living in a small shoebox in the middle of the road.
MP: Cardboard box?
TG: Aye.
MP: You were lucky. We lived for three months in a brown paper bag in a septic tank. We used to have to get up at six o'clock in the morning, clean the bag, eat a crust of stale bread, go to work down mill for fourteen hours a day week in-week out. When we got home, out Dad would thrash us to sleep with his belt!
GC: Luxury. We used to have to get out of the lake at three o'clock in the morning, clean the lake, eat a handful of hot gravel, go to work at the mill every day for tuppence a month, come home, and Dad would beat us around the head and neck with a broken bottle, if we were LUCKY!
TG: Well we had it tough. We used to have to get up out of the shoebox at twelve o'clock at night, and LICK the road clean with our tongues. We had half a handful of freezing cold gravel, worked twenty-four hours a day at the mill for fourpence every six years, and when we got home, our Dad would slice us in two with a bread knife.
EI: Right. I had to get up in the morning at ten o'clock at night, half an hour before I went to bed, (pause for laughter), eat a lump of cold poison, work twenty-nine hours a day down mill, and pay mill owner for permission to come to work, and when we got home, our Dad would kill us, and dance about on our graves singing "Hallelujah."
MP: But you try and tell the young people today that... and they won't believe ya'.
ALL: Nope, nope...

Fonte: http://www.davidpbrown.co.uk/jokes/monty-python-four-yorkshiremen.html

sexta-feira, 15 de maio de 2009

The Roundabout... round and round

Caso recente:
Contou-me um pouco sobre seu passado, um pouco sobre sua vida. Falou a respeito de como se relacionava com sua família quando criança, falou de como se relacionava com os colegas na fase seguinte, chegou finalmente a como se relaciona atualmente com as pessoas. Notei uma cadência na linguagem, um crescendo otimista na narrativa pessoal, algo que parecia querer encerrar-se num brado de louvor àquilo que é atualmente. E eu, que ouvia tudo com atenção, enxergava a mesma coisa repetida, fase após fase, fantasiosamente renovada sob uma nova pá de cal. A mim, a criança com que iniciou sua história nunca havia ido a lugar algum, jazia emparedada sob uma massiva quantidade do mesmíssimo erro reinventado e esquecido em um processo já incosciente de autoengano.
Sempre me pareceu mesmo que certas sombras de nós mesmo são mais facilmente visíveis a partir de uma observação externa. Observação que pode ser simulada a partir da própria consciência. Sem isso corre-se o risco de ficar feito biruta girando ao sabor dos quatro ventos, nunca capaz de tornar ao próprio eixo. Mas, o que eu nunca havia imaginado em qualquer outra fase da vida - e que tem apenas distante relação com o trecho acima - é que o observador, quando não é ao menos tomado sinceramente por onisciente, é absorvido pela consciência, caindo assim na mesma malha de autoengano.

terça-feira, 12 de maio de 2009

Sobre o intervalo

Há épocas em que me descubro um sujeito majestaticamente burro, bem mais que o normal. Nessas épocas fico mais calado. Mas... apesar de estar mesmo em um desses períodos, não é esse o motivo do hiato, acontece que passei um bom tempo sem internet.

Em breve volto a bater os cascos no teclado.

sábado, 2 de maio de 2009

Vote na realidade

Ontem. Voltava eu da universidade com uma doçura de amiga. Conversávamos qualquer uma dessas frivolidades por todos conhecidas, que, mesmo ocas feito bexigas, servem ao menos de gancho para compartilhar alguns momentinhos com uma pessoa querida. Sei que logo nos caímos a falar a respeito de um boleto bancário que trazia comigo. Expliquei tratar-se da minha mensalidade no curso do Seminário de Filosofia, de Olavo de Carvalho. Disse isso e botei-me atento aos olhos da amiga, esperando, e até desejando, que o filósofo fosse por ela reconhecido. Pela nulidade com que recebeu o nome, afirmo com toda certeza que não era. Nada daquele espanto de (a) imenso apreço, ou de (b) freira ante um blásfemo, que a citação do maldito causa a quem o conhece ao menos um tantinho.

Mas, a prova mais cabal de que ela nunca havia ouvido falar no sujeito veio em seguida. Perguntou-me por que então eu não cursava filosofia na universidade. Ri um pouco enquanto me vinham algumas lembranças.

Lá nos tempos há muito idos. Aliás, nem tão idos assim, já que um ano e meio é um cuspe de tempo para um rapaz de vinte e poucos anos. Enfim, lá pela época onde eu ainda acreditava possível adquirir alguma formação humanística naquele covil, encontrava-me numa aula de filosofia (pelo curso de Relações Públicas), sentando em uma das cadeiras que compunham um grande círculo de discussão. Pegado de tédio, e já tendo suportado coisa de uma hora de massacre, eu pensaneava distraído enquanto a professora nos lia alguns textos em compasso hipnótico, vez ou outra citava Marilena Chauí e incitava debates marcados por pura falta de conhecimento sobre o que quer que se discutisse.

Mas eis que num dado momento a coisa toma uma proporção tão estrondosa que me desperta. Fala-se a respeito de como certas coisas (no caso, tecnológicas) eram impensáveis para os homens em dados momentos da história, e no entanto nos são cotidianas. Daí em diante a coisa segue firulando, até que, num momento de epifânia, a professora conclui diante de todos, e de um Caio pasmo, que é possível pensar algo impensável. Chegado esse ponto eu me meti na peleja. Sugeri delimitar melhor a frase ou procurar uma palavra mais adequada a proposição. Perguntei, “pois algo impensável não é, por definição, impensável?”. Devia ter ficado quieto. A coisa deve ter soado bastante exótica, notei pelo silêncio. Mas logo a marcha dos horrores continuou, tornou-se furiosa, e num esforço coletivo, seguindo o impropério da dona docente, todos passaram a procurar pensar coisas impensáveis (!) para me provar errado. Júlio Verne e Isaac Asimov, que ouviram seus nomes alucinadamente citados, gemeram de angústia.

Já é bastante ridículo que se use de todo tipo de malabarismo de linguagem com o mero e bobíssimo intuito de montar proposições aparentemente contraditórias, como Saussure trocando de sujeito para criar a mutabilidade e imutabilidade do signo. Mas, pior ainda é não perceber o enxerto e passar a interpretar o ovo de cuco no sentido literal.

Demorou ainda um tempo até que eu pudesse balbuciar novamente, trêmulo feito um condenado pedindo perdão, que se algo impensável é, por definição, impensável, então qualquer coisa que eles tenham pensado nunca foi impensável afinal. A coisa encerrou-se por aí. A professora interrompeu, e deve ter ficada maravilhada mesmo com a minha novidade, pois, nas suas próprias palavras, achou a minha “opinião (!) muito interessante”.

No fim das contas, saíram todos de sala com a cabeça tranquila, em maioria, e inafetados por esse defeito que o mundo real tem de querer fazer sentido. Votaram sobre a estrutura da realidade, venceram, e saíram muito felizes. Só eu é que saí um pouco desconcertado, com fama de doido e de cabeça dura.

Não cheguei a contar esse caso para a minha amiga... que a essa altura já estava bastante curiosa em saber o motivo pelo qual eu sorria.