quarta-feira, 27 de maio de 2009

“Obçession”

Ao fim do ano passado, por volta de setembro, deparou-se com um fato estranho. Quando recolecionava suas memórias e as tentava traduzir em linguagem, o fazia com mais habilidade em inglês do que no português. Nunca vivera um mês sequer abroad. Também não era exímio conhecedor da língua inglesa, era dela apenas um bom leitor. Um bom leitor, e olhe lá! Mas tão logo buscava expressão, a encontrava com mais facilidade na confusão mental d'um inglês embananado do que na própria língua pátria. Sonhava em inglês, às vezes pegava-se respondendo em inglês a questões íntimas.

Sua própria conversa interior dava-se na língua de Poe e Carroll, e a razão disto sabia de cor: passara coisa de dois anos lendo tudo quanto podia em inglês. Não dava confiança aos autores nacionais, apesar de ter deles pouco conhecimento, e os autores que lhe eram comuns eram todos ingleses. Os que escapavam a essa regra os lia em sua tradução para o inglês. Um dia notou-se perigosamente próximo ao abismo do absurdo quando, apresentando a um amigo a versão que degustava de Revolt of the Masses, fora questionado sobre o motivo de não lê-la no original em espanhol, que era afinal muito mais próximo do português. Notou-se então quase materializando a brincadeira que fazia quando liminarmente consciente de seu estrangeirismo. Um dia estaria lendo autores nacionais traduzidos em língua estrangeira.

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