quinta-feira, 14 de janeiro de 2010

Invertendo Ícaro

Cá estava eu pensando em uma obra de Pieter Brueghel que me foi apresentada pela peça de Pedro Sette Câmara, Os Amadores. Tanto A Queda de Ícaro quanto Os Amadores resumo pelo seguinte moto:

O mundo não vai (e, digo mais, nem devia) parar para admirar-se das tuas angústias e sofrimentos pessoais.

Do alto de um despenhadeiro - cujos limites definem o terreno por onde um aldeão passa seu arado, e cuja escarpa desemboca na praia onde um pastor, apoiado preguiçosamente em seu bordão, fita os céus - vemos um longo mar, iluminado ao sol nascente, repleto de embarcações que seguem céleres e despreocupadas em direção à cidade portuária que se vê ao fundo. Esta bucólica paisagem seria apenas isto mesmo, uma paisagem, não fossem as curiosas pernas de Ícaro, quase impercepitíveis em meio à cena cotidiana, debatendo-se no mar. Ícaro cai dos céus, mas o mundo, continua sem notar.

Que a obra de Brueghel fala da indiferença do mundo aos fracassos e sofrimento pessoais, isto é difícil de negar. O cômico é que me peguei pensando que se a obra representasse Ícaro na situação diametralmente oposta, muito pouco da mensagem seria perdida. Houvesse no quadro um Ícaro voando aos céus e finalmente pousando no sol, não imagino que a cena bucólica fosse muito diferente.

Resumindo, o mundo também está cagando para o sucesso pessoal.

E, pensando cá comigo. Não é que os chatos que insistem em querer que o mundo pare para admirar-se de seus coraçõezinhos sangrentos de dor, são os mesmíssimos que parecem considerar o próprio sofrimento como um forma de sucesso pessoal?

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