domingo, 17 de janeiro de 2010

Do desígnio espiritual do limpador de rodinha de carrinho de supermercado

Temos todos algum tipo de profunda afinidade da alma por certas coisas; o modo como essas afinidades surgem, Deus me livre tentar explicar!, mas nós as temos. Nos últimos dias me veio à cabeça a idéia, que começa até meio tonta, de que: mais importante do que a busca por gostos refinados é a busca por afinar os gostos profundos e já consolidados, até que estes estejam em consonância com o teu interior. Deves afiná-los assim, como cordas de um violino, até que toquem em perfeita harmonia com as canções que apenas tu podes ouvir, da tua própria alma. Deves afinar os teus gostos até que sejam eles os instrumentos pelos quais se manifesta no mundo a tua vocação metafísica. Então gostos, a partir daí, não seria mais adequado para descrever tais instrumentos e, aos homens que os ouvissem tocar, pareceriam mais o sintetizadores musicais de um destino.

Quero logo corrigir um problema que possa surgir devido a figura de linguagem delicada que utilizei. Não me refiro necessariamente a gostar de Shakespeare, música clássica ou, sei lá, bocha. Bom, bocha parece-me refinadíssimo; a você não? Velhinhos de boina e meia até os joelhos e tal. Voltando ao ponto: boxe, dar porrada nos outros, why not? Pode muito bem ser um desses instrumentos humanos do destino. O fato é que as pessoas em volta realmente notam quando alguém parece estar fazendo exatamente aquilo que nasceu para fazer. A história e, claro, o cinema, estão cheios desses personagens; para citar rapidamente um presente em ambos: Howard Hughes, de O Aviador.

De imediato não é possível perceber nada de alto, sublime, em uma paixão pela aviação. Como isso torna Hughes uma pessoa especial? No que isso o diferencia de todas as outras pessoas que têm paixão pelo sentimento de romper os desígnios terrestres humanos? A resposta está na intensidade dos sentimentos que o personagem dedica ao hobby, o modo como põe sua vida inteira como uma busca pessoal, esta é a chave, em torno do progresso da aviação. Hughes parece estar ali fazendo exatamente aquilo que era a ele suposto fazer; a aviação não é para ele matéria qualquer, é assunto mortalmente sério, capaz de fazê-lo sofrer à loucura. E as pessoas percebem isso, identificam-se, admiram e desejam profundamente um objeto de tamanho valor pessoal, um destino ao qual se dedicar. Creio ser esta a explicação da admiração que se tem por personagens como Hughes, ou, voltando ao boxe, Rocky Balboa.

O ponto que toca a idéia inicial, “mais importante do que a busca por gostos refinados, é a busca por afinar os gostos profundos e já consolidados”, é justamente essa admiração humana pelo modo especial como certas pessoas executam até as tarefas mais banais. Um limpador de rodinha de carrinho de supermercado, creio mesmo, pode executar sua tarefa com tamanho empenho que a coisa nos cause a admiração de um profundo desígnio espiritual.

quinta-feira, 14 de janeiro de 2010

Invertendo Ícaro

Cá estava eu pensando em uma obra de Pieter Brueghel que me foi apresentada pela peça de Pedro Sette Câmara, Os Amadores. Tanto A Queda de Ícaro quanto Os Amadores resumo pelo seguinte moto:

O mundo não vai (e, digo mais, nem devia) parar para admirar-se das tuas angústias e sofrimentos pessoais.

Do alto de um despenhadeiro - cujos limites definem o terreno por onde um aldeão passa seu arado, e cuja escarpa desemboca na praia onde um pastor, apoiado preguiçosamente em seu bordão, fita os céus - vemos um longo mar, iluminado ao sol nascente, repleto de embarcações que seguem céleres e despreocupadas em direção à cidade portuária que se vê ao fundo. Esta bucólica paisagem seria apenas isto mesmo, uma paisagem, não fossem as curiosas pernas de Ícaro, quase impercepitíveis em meio à cena cotidiana, debatendo-se no mar. Ícaro cai dos céus, mas o mundo, continua sem notar.

Que a obra de Brueghel fala da indiferença do mundo aos fracassos e sofrimento pessoais, isto é difícil de negar. O cômico é que me peguei pensando que se a obra representasse Ícaro na situação diametralmente oposta, muito pouco da mensagem seria perdida. Houvesse no quadro um Ícaro voando aos céus e finalmente pousando no sol, não imagino que a cena bucólica fosse muito diferente.

Resumindo, o mundo também está cagando para o sucesso pessoal.

E, pensando cá comigo. Não é que os chatos que insistem em querer que o mundo pare para admirar-se de seus coraçõezinhos sangrentos de dor, são os mesmíssimos que parecem considerar o próprio sofrimento como um forma de sucesso pessoal?

quinta-feira, 20 de agosto de 2009

Um Livro Antigo

Comprei-o há dois dias. A capa em tecido rosado e machucado conta bem a idade da peça que, editada em Portugal há um século e seis anos idos, atravessou mãos e um oceano até sorrir-me aqui nesta ilha, da qual contam antigas grandezas intelectuais e me parece nada senão uma província confortável mas erma aos espíritos, que é a terra de São Luís. Nas páginas, que de sua cor de chá preto exalam o charme de um século, leio a delicada assinatura de um de seus antigos donos: “Tancredo Mattos”, traçada à bico de pena com a precisão e graça das caligrafias antigas; sei então o nome do homem, agora espírito, que através de poucas e nada intrusivas notas de leitura irá acompanhar-me ao longo do livro. Como numa ironia sútil que ao homem não é dado perceber a não ser pelo desenrolar dos séculos que dele se riem, as primeiras palavras do livro reproduzem a própria situação do velho tomo que resgatei em meio a seus companheiros de estante cem anos mais novos:
“Como debaixo dos pés de cada geração que passa na terra dormem as cinzas de muitas gerações que a precederam, assim debaixo dos fundamentos de cada cidade grande e populosa das velhas nações da Europa jazem alastrados os ossos da cidade que precedeu a que existe. Como de paes a filhos as diversas gerações se continuam e entretecem sem divisão, semelhantes à túnica inconsutil do Christo, assim a cidade antiga se transmuda imprerceptivelmente na nova cidade; e como o octogenario, na vizinhança do túmulo, não vê à roda de si, nem pae, nem irmãos, nem amigos da infancia, mas filhos, mas netos, mas existencias todas virentes, todas cheias de vida, e sente com amargura que o seu século já repousa em paz e espera por elle que tarda, assim o último edificio da cidade que passou, quando pendido ameaça desabar, olhando à roda de si não vê nenhum daquelles que, ahi perto, campeavam senhoris e formosos no tempo em que elle tambem o era.”
Com um arrepio na espinha fechei o livro e dediquei-lhe em reverência um longo minuto de silêncio. Pelos sonhos de Alexandre Herculano me é possível ser dirigido através deste livro e, sob o olhar terno e exigente de seu tomo que ameaça desabar, sinto o peso dos olhares de muitas gerações a mim anteriores. O livro, agora sobre a estante, continua a me encarar, enquanto isso eu tento encontrar em mim, em algum ponto nebuloso, uma certa virtude especial com a qual me devo dedicar a sua leitura, em suma, uma nova abordagem sobre tudo quanto tentei praticar até hoje como atividade intelectual.

Por enquanto, como um moleque culpado, desvio o olhos como posso.

PS.: Quase um mês depois, quando acreditava assentado o espanto relatado acima: abro novamente o livro. Dessa vez para lê-lo por completo, mas mal termino o primeiro parágrafo do prefácio e meus olhos já estão inquietos, como que querendo verter lágrimas de admiração pelas impressões relatadas na magistral prosa de Alexandre Herculano.

sábado, 25 de julho de 2009

Mapa de “Eurico, o Presbítero”

Aqui vai um post singelo. Enquanto lia “Euríco, o Presbítero”, de Alexadre Herculano, fui marcando num Google Map os principais locais citados na primeira parte do livro para ter noção do desenrolar dos fatos. Como o site é público e permite-me, ao esforço de um link, direcionar outros interessados ao mapa; como este será mais facilmente encontrado pelo google através desse post; e como é possível que outros editem o mapa para enriquecê-lo (ou corrigí-lo se necessário), não faria mal nenhum em pregar este bilhete aqui.


Visualizar Mapa de "Euríco, o Presbítero" em um mapa maior

Estão marcadas apenas as localidades mencionadas até a batalha do Críssius. São elas: Toletum (Toledo), Emérita (Mérida), Cordúba (Córdoba), Híspalis (Sevilha), Críssius (Guadalete), Gades (Cádis), Asido (Medina-Sidonia), Cartéia, Ilha Verde (Algezíras), Calpe (Gibraltar), Septum (Sebta, ou Ceuta), Bética.

Link: Mapa de “Eurico, o Presbítero”

sábado, 27 de junho de 2009

Chegou! E é lindo!

Senti-me um verme por ter pago apenas R$200,00. Abrindo e lendo um tanto, senti-me pior ainda.

A quem interessar:
http://www16.senado.gov.br/livraria/produtos.asp?produto=402

O site é do senado, mas eu garanto que é de confiança.