sábado, 2 de maio de 2009

Vote na realidade

Ontem. Voltava eu da universidade com uma doçura de amiga. Conversávamos qualquer uma dessas frivolidades por todos conhecidas, que, mesmo ocas feito bexigas, servem ao menos de gancho para compartilhar alguns momentinhos com uma pessoa querida. Sei que logo nos caímos a falar a respeito de um boleto bancário que trazia comigo. Expliquei tratar-se da minha mensalidade no curso do Seminário de Filosofia, de Olavo de Carvalho. Disse isso e botei-me atento aos olhos da amiga, esperando, e até desejando, que o filósofo fosse por ela reconhecido. Pela nulidade com que recebeu o nome, afirmo com toda certeza que não era. Nada daquele espanto de (a) imenso apreço, ou de (b) freira ante um blásfemo, que a citação do maldito causa a quem o conhece ao menos um tantinho.

Mas, a prova mais cabal de que ela nunca havia ouvido falar no sujeito veio em seguida. Perguntou-me por que então eu não cursava filosofia na universidade. Ri um pouco enquanto me vinham algumas lembranças.

Lá nos tempos há muito idos. Aliás, nem tão idos assim, já que um ano e meio é um cuspe de tempo para um rapaz de vinte e poucos anos. Enfim, lá pela época onde eu ainda acreditava possível adquirir alguma formação humanística naquele covil, encontrava-me numa aula de filosofia (pelo curso de Relações Públicas), sentando em uma das cadeiras que compunham um grande círculo de discussão. Pegado de tédio, e já tendo suportado coisa de uma hora de massacre, eu pensaneava distraído enquanto a professora nos lia alguns textos em compasso hipnótico, vez ou outra citava Marilena Chauí e incitava debates marcados por pura falta de conhecimento sobre o que quer que se discutisse.

Mas eis que num dado momento a coisa toma uma proporção tão estrondosa que me desperta. Fala-se a respeito de como certas coisas (no caso, tecnológicas) eram impensáveis para os homens em dados momentos da história, e no entanto nos são cotidianas. Daí em diante a coisa segue firulando, até que, num momento de epifânia, a professora conclui diante de todos, e de um Caio pasmo, que é possível pensar algo impensável. Chegado esse ponto eu me meti na peleja. Sugeri delimitar melhor a frase ou procurar uma palavra mais adequada a proposição. Perguntei, “pois algo impensável não é, por definição, impensável?”. Devia ter ficado quieto. A coisa deve ter soado bastante exótica, notei pelo silêncio. Mas logo a marcha dos horrores continuou, tornou-se furiosa, e num esforço coletivo, seguindo o impropério da dona docente, todos passaram a procurar pensar coisas impensáveis (!) para me provar errado. Júlio Verne e Isaac Asimov, que ouviram seus nomes alucinadamente citados, gemeram de angústia.

Já é bastante ridículo que se use de todo tipo de malabarismo de linguagem com o mero e bobíssimo intuito de montar proposições aparentemente contraditórias, como Saussure trocando de sujeito para criar a mutabilidade e imutabilidade do signo. Mas, pior ainda é não perceber o enxerto e passar a interpretar o ovo de cuco no sentido literal.

Demorou ainda um tempo até que eu pudesse balbuciar novamente, trêmulo feito um condenado pedindo perdão, que se algo impensável é, por definição, impensável, então qualquer coisa que eles tenham pensado nunca foi impensável afinal. A coisa encerrou-se por aí. A professora interrompeu, e deve ter ficada maravilhada mesmo com a minha novidade, pois, nas suas próprias palavras, achou a minha “opinião (!) muito interessante”.

No fim das contas, saíram todos de sala com a cabeça tranquila, em maioria, e inafetados por esse defeito que o mundo real tem de querer fazer sentido. Votaram sobre a estrutura da realidade, venceram, e saíram muito felizes. Só eu é que saí um pouco desconcertado, com fama de doido e de cabeça dura.

Não cheguei a contar esse caso para a minha amiga... que a essa altura já estava bastante curiosa em saber o motivo pelo qual eu sorria.

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